* A Alma do Vinho




A alma do vinho, certa tarde, nas garrafas Cantava: " Homem, elevo a ti, que me és tão caro,
No cárcere de vidro e lacre em que me abafas
Um cântico de luz e fraterno amparo!
Bem sei quanto custou na tórrida montanha,
De causticante sol, de suor e de mau-trato
Para forjar-me a vida e enfim a alma ter ganha.
Mas não serei jamais perverso nem ingrato,
Pois sinto uma alegria imensa quando desço
Pela goela de quem ao trabalho se entrega,
e seu tépido peito é a tumba onde me aqueço
e onde me agrada mais estar do que na adega.
Não ouves os refrões da domingueira toada toada
E a esperança que me unge o seio palpitantes
Cotovelos na mesa e a manga arregaçada,
Tu me honrarás e o riso há de ser constante,
Hei de acender-te o olhar à esposa embevecida,
A teu filho farei voltar a força e as cores,
E serei para tão tíbio atleta da vida
O Óleo que os músculos enrija aos lutadores.
Repousarei em ti, vegetal ambrosia,
Grão atirado pelo eterno Semeador,
Para que assim de nosso amor nasça a poesia
Que ruma a Deus há de subir qual rara flor!"
Charles Baudelaire
(Tradução de Ivan Junqueira- extraído do livro " A Alma do Vinho",
Seleção de poemas e contos de Waldemar Rodrigues Pereira Filho

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